Em 19 de novembro deste
ano, véspera do dia da Consciência Negra, o agronegócio confirma
sua ferocidade antiindígena durante invasão da Funai em Campo
Grande/MS. Enquanto setores paragovernistas acusam o governo federal
de omissão no que tange a demarcação das terras indígenas, nós
afirmamos: tal morosidade é deliberada, intencional e coerente com a
política neo-desenvolvimentista imposta em favor da velha oligarquia
rural consorciada com multinacionais da agroindústria.
Solidarizamo-nos com os povos
indígenas na luta pela terra e exigimos imediata devolução de seus
territórios! VIVA A RETOMADA!!!
Solidarizamo-nos, também, com os funcionários da
Funai – concursados ou não - que, distintamente da alta burocracia
do Estado, enfrentam no cotidiano de trabalho intenso assédio moral
e ameaças por parte do latifúndio/agronegócio e seus burocratas,
sob condições precárias de trabalho (dado o proposital
sucateamento daquela autarquia) e perda progressiva de direitos
trabalhistas.
Urge que este setor rompa com o sindicalismo de Estado
e com o governismo, a fim de construir formas eficazes de luta
e autodefesa, necessariamente orientados em favor da luta pela
terra. Obviamente, reconhece-se que tal condição não se
compara ao sofrimento dos povos indígenas, mas a luta de uma fração
da classe trabalhadora não pode se alhear da luta pela terra, pois o
inimigo é um e a guerra é a mesma.
PELA AUTODETERMINACAO DOS POVOS
INDIGENAS! VIVA À RETOMADA!
PELO AUTOGOVERNO DA CLASSE TRABALHADORA!
CONSTRUIR AS AUTO-DEFESAS DOS TRABALHADORES URBANOS E RURAIS, POVOS
INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E CAMPONESES!
VIVA A ALIANÇA CAMPO E CIDADE ! AVANTE A LUTA
POR TERRA E LIBERDADE!
Segue
relato* sobre a invasão dos fazendeiros à Coordenação Regional da
FUNAI em Campo Grande-MS
Um dia após o anúncio do início das doações
de cabeças de gado para a realização do leilão que pretende
arrecadar fundos para a contratação de milícias para promover o
genocídio indígena no MS (como se a contratação de empresas de
capangas já não fosse uma prática arraigada entre os
autoproclamados produtores deste Estado), os latifundiários
decidiram começar a dar provas de seu poder de fogo e de sua certeza
de impunidade. Enquanto alguns deles se reuniam com o Governador
André Puccinelli e demais representantes políticos do agronegócio,
para acordar os detalhes da viagem que farão a Brasília, no próximo
dia 21, com o objetivo de pressionar o Governo Federal em relação à
questão fundiária, outros, acompanhados por centenas de pequenos
produtores, oriundos em sua maioria do sul do Estado – cooptados
por alienação ou por interesses escusos - ocuparam o prédio da
Coordenação Regional da FUNAI na capital e fecharam a Rua Maracaju,
onde se localiza a Fundação, por aproximadamente quatro horas.
Os servidores trabalhavam, por volta das 08:30,
quando visualizaram o início da aglomeração em frente ao prédio.
Antes que tivessem tempo de ao menos entender o que se passava, um
grupo de dezenas de fazendeiros tomou a recepção, na tentativa de
forçar a entrada. Os funcionários passaram, então, a ouvir
constantes ataques verbais e provocações que se dirigiam tanto ao
Órgão, quanto insultos pessoais e de baixo calão. A situação se
agravou no momento em que se propôs ao grupo que dessem
prosseguimento à manifestação na rua, mas desocupassem a portaria.
Os ânimos se exaltaram e, com gritos de “vamos invadir igual os
índios fazem nas nossas terras”, empurrando quem estivesse no
caminho, ocuparam todo o corredor de entrada do térreo.
Sobretudo a partir desse momento, ficou evidente
que os pequenos produtores estavam sendo utilizados como mera massa
de manobra pelos latifundiários. O discurso previamente combinado se
pautava pela suposta defesa dos direitos daqueles frente aos “abusos
cometidos pela FUNAI e pelas ONGs”, que, conforme os proprietários
do Estado seriam as responsáveis pelas retomadas promovidas legítima
e autonomamente pelos povos indígenas. O fato que esses pequenos
produtores, chacareiros e sitiantes parecem ignorar é que o
agronegócio monocultor, exportador, concentrador de terras e renda,
financiado pelas transnacionais fabricantes de agrotóxicos, que vem
há décadas promovendo o sistemático assassinato de lideranças
indígenas e de qualquer um que se oponha aos seus interesses, em sua
infinita necessidade de acumulação de capitais, é também inimigo
da pequena propriedade rural. Estes homens e mulheres, verdadeiros
trabalhadores do campo - assim como assentados, indígenas,
quilombolas e ribeirinhos - que hoje se posicionaram ao lado dos
latifundiários, correm o grande risco de se verem igualmente
engolidos pelo latifúndio, restando-lhes apenas a alternativa de
migrarem para as periferias das cidades ou se transformarem em
sem-terras.Daí, sim, o Brasil verá a sua classe produtora
arruinada, pois não é à base dos grãos e das comoditties
exportadas pelo agronegócio que a nação se alimenta, mas com os
produtos semeados nas pequenas e médias propriedades.
As agressões não pararam: servidores,
indígenas e não indígenas, indignados com as falas falaciosas e
ofensivas contra os povos originários, tentaram em vão argumentar
razoavelmente, sendo quase agredidos fisicamente; um indígena Terena
que prestava declarações a uma equipe de televisão por pouco não
foi atingido por uma garrafa térmica manejada por um fazendeiro de
Laguna Caarapã, na intenção de impedir que a entrevista ocorresse;
o mesmo fazendeiro, ao ser interpelado verbalmente por um servidor
por conta de sua atitude violenta, tentou quebrar o equipamento de
vídeo que este portava. Sucederam-se ainda diversos discursos de
incitação a ações de retaliação aos indígenas e aos defensores
de seus direitos, sempre ao som do Hino Nacional, repetido à
exaustão, como manda a etiqueta de qualquer manifestação fascista
que se preze.
Merece destaque também o comportamento das
forças policiais durante o ocorrido. Menos de dez agentes da Polícia
Militar foram deslocados para garantir a integridade dos servidores e
se portaram de maneira bem distinta daquela a que a sociedade está
acostumada quando o assunto é coibir manifestações populares: nada
de Tropa de Choque, nada da truculência, balas de borracha ou spray
de pimenta. O que se viu foi uma atitude de quase camaradagem com os
invasores (permito-me aqui lançar mão do jargão dos donos do
poder) ou até mesmo um certo tom de respeito silencioso aos nobres
donos do Estado.
Resta questionar qual teria sido a atitude dos
mantenedores da Lei e da Ordem se, no lugar de um protesto organizado
por milionários, tivéssemos uma manifestação de indígenas,
sem-terras, ou quaisquer outros grupos que não detenham o poder
econômico. Os Amarildos e Oziéis, que insistem em cometer o
hediondo crime de nascerem pretos, pobres e índios nesta democracia
de gangsters, poderiam dar resposta a essa indagação, caso já não
estivessem eternamente silenciados.
A “manifestação pacífica”, conforme a
qualificou a mesma imprensa que costuma chamar de vândalos e
baderneiros os trabalhadores e estudantes que saem às ruas em
oposição às verdadeiras injustiças sociais, teve fim por volta
das 13:00h, com a desocupação do prédio e o final antecipado do
expediente para os servidores.
O recado dado nessa manhã de ignorância,
bestialidade e covardia foi bastante claro: eles sabem muito bem que
são os donos das terras, do dinheiro, da mídia e de boa parte do
Governo – que, só neste ano, destinou cento e trinta e seis
bilhões de Reais para engordar os bolsos do latifúndio, via Plano
Safra, enquanto deixa a FUNAI à míngua com orçamentos cada vez
mais diminutos - e sua capenga Justiça, e não descansarão até que
todo o país se transforme em terra arrasada por sua monocultura
devastadora
Aos que se opõem a tal plano, restam duas
opções: continuar com seus discursos de panos-quentes, concordando
com a estúpida política de conciliação de classes adotada pelo
Governo burguês, ou assumir a tarefa da resistência e da luta
frente às violações praticadas em nome do desenvolvimentismo
capitalista.
Campo Grande-MS, 19 de novembro de 2013
*O relato acima foi redigido por pessoa que estava
presente no local durante os acontecidos, mas prefere não se
identificar por questões de segurança
segue link de vídeo de fazendeiros destilando seu ódio e preconceito contra os indígenas.
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